segunda-feira, 2 de abril de 2012

Palavra do Pastor da Diocese :Dos Ramos de agora à Páscoa da vida!


Dos Ramos de agora à Páscoa da vida!
Amados irmãos, deixai-me perguntar em voz alta: - Que ramos somos nós, que capas estendemos, que hossanas cantamos, recebendo Jesus nesta Jerusalém de hoje?
Ramos, ramos primaveris geralmente belos e reverdecidos, abrindo em flor e prometendo frutos… Nada melhor, para apresentar a Jesus que se abeira, eterna juventude do mundo. – Mas somos realmente assim, renovados pela conversão quaresmal, renascidos na água viva do Espírito (mesmo em tempo de seca meteorológica)?
 - E as capas estendidas para atapetar a sua passagem, somos nós também? Capa é cobertura e ornamento desejável. Assim as nossas vidas e os seus aconchegos, como os sinais que damos do que queremos ser. – Estão assim estendidas, para Jesus passar? Na humildade em que avança, nada força ou esmaga. Mas podia deixar – isso sim podia! – as marcas visíveis da sua passagem sobre as nossas vidas, assim o deixássemos…
- E ouvem-se os hossanas, na aclamação constante que lhe havemos de dar? – Foi, é e será a vida de nós todos o que ali ouvíamos: ramos reverdecidos na seiva evangélica; capas estendidas a atapetar o caminho que Jesus prossegue, na humildade de tantos humildes, na fragilidade de muitos e muitas? Hossanas convictos ao Evangelho vivo que entra na cidade?
Caríssimos irmãos, de todas as idades que a eterna juventude de Cristo vai registando em vós: a resposta afirmativa, constante e entregue que dermos a tais perguntas é muito urgente e indispensável, para que a Semana Santa, hoje inaugurada, deveras o seja. Se lembrarmos aqueles factos de modo cerimonial apenas, corremos o risco de repetir, em parte ou no todo, o que sucedeu depois: a fuga dos discípulos no Horto das Oliveiras, a viragem negativa do povo no pretório de Pilatos… E não quero adiantar perigos piores, como os flagelos, a coroa de espinhos, a troça de muitos e a morte na cruz, da autoria imediata dos soldados, mas com o descaso ou a conivência de tantos…
Não, amados irmãos, nós não queremos ser assim. Bem pelo contrário, queremos ser mais convictos na adesão e mais persistentes no seguimento de Cristo. Isto havemos de ser, pois só queremos, só podemos ser assim. Como o pequeníssimo grupo que O acompanhou até ao Calvário; ou mesmo, segundo o quarto Evangelho, como a Mãe de Jesus e o discípulo amado. Isso sim, queremos ser.
E não só contemplativamente, fixando-nos num passado que não passa, mas também activamente, para o futuro que com Cristo há de acontecer. Acompanhando-O em tudo e em todos onde Ele se assinala hoje, na cidade em que entra, nos lugares onde mora e nas vidas em que nos espera.
Sejamos então verdadeiros ramos e reverdecidos, pela seiva forte da caridade autêntica. Reconheçamo-Lo onde sempre passa, no humilde jumento dos factos mais simples, das coisas mais pobres. Aí, precisamente aí, onde devemos fixar finalmente os olhos, já desiludidos de tanta espectacularidade vazia. – Pois não foram infelizmente outras, as muitas miragens que nos puseram em “crise”?
Jesus Cristo entra na cidade como entrou então. Confessemo-lo de vez, acolhendo a simplicidade que nos traz e propõe. Dificilmente voltaremos à caricatura de paraíso que o consumismo prometia - e apenas a alguns. Obrigatoriamente nos recuperaremos mais sóbrios e solidários. [Deixai-me citar a propósito duas intervenções recentes de reputados analistas económicos. O primeiro, professor parisiense: “O que temos é uma sociedade em que quando as necessidades estão satisfeitas é preciso criar outras para se continuar a crescer. Temos o nosso destino ligado a esta lógica e é daí que temos de sair. […] É uma consequência da lógica desta sociedade de crescimento que, depois dos anos oitenta, não teve outro objectivo senão prolongar a ilusão do crescimento e entrou numa bolha financeira. Esta começou por ser uma crise financeira, mas é também uma crise económica e, acima de tudo, uma crise de civilização”. Serge Latouche, entrevista ao Público, 19 de Março de 2012, p. 14). O segundo, presença informada e lúcida nos nossos media gerais e eclesiais: “O mercado tem limites, nem tudo se compra e se vende. Aí os cristãos são chamados a desempenhar um papel essencial, não pelo que dizem, mas pela maneira como vivem. Até porque, com o colapso do comunismo, muitos passaram a agir como se não existissem normas morais na esfera económica: vale tudo para ganhar muito dinheiro e depressa. O setor financeiro – responsável, através do crédito, por boa parte da ‘onda consumista’ – cresceu exageradamente nos últimos vinte anos, sobretudo nos Estados Unidos. E, sem adequada regulação, levando à crise financeira global desencadeada pelo crédito hipotecário de alto risco nos EUA” (Francisco Sarsfield Cabral, Nós e o dinheiro. Além-Mar, Março 2012, p. 11).]
Para quem aclama Cristo, a sobriedade solidária e caritativa não é apenas obrigação, antes devoção: gosto e aprendizagem duma fruição que não destrói nem a natureza nem as vidas; vizinhança activa de quem descobre em cada pessoa o maior tesouro do mundo; educação diligente para que cada um desenvolva o melhor que tem, o melhor que é.
A solidariedade forçosa que hoje se impõe, há- de ser um hábito que melhores nos faça, tendo em vista o amanhã geral. Hoje recebemos Cristo: permaneçamos com Ele nos dias que se seguem e na inevitável Cruz, onde renasceremos para Deus e para os outros. - Nós e o mundo precisamos de Páscoa!

Deixai-me pontualizar ainda, nos tópicos maiores do ano pastoral que vivemos no Porto: família e juventude; viver em comunhão, formar para a comunhão.
É bom louvar a família, até em renovados hossanas pela sua evidente valia nas presentes dificuldades. – O que seria, de facto, de tantos que não podem sustentar-se já por si, se não fossem os apoios familiares que mantêm ou recuperam? Mas, assim sendo, sejamos coerentes e consequentes, priorizando na lei e nas práticas as necessárias garantias de viabilidade das famílias, na respectiva constituição e manutenção, como bem de primeiríssima ordem.
Família, que é muito mais do que um resultado fugaz de afectos variáveis, desprovidos da verdade pessoal, complementar e interpessoal que ela transporta. E é também – a família sempre – a primeira realização e escola da sociabilidade humana, nunca substituível e sempre a reforçar.
Também no que à juventude respeita, que não ficará de fora do contexto familiar. Sim, é verdade que, da adolescência para a juventude, atravessamos um período de individualização normal e retraimento espontâneo, em relação ao quadro infantil. Tanta coisa nova a apreender, tanto sentimento a despontar, quase caoticamente até, entre o crescimento físico e a informação cruzada e nem sempre boa… Situação esta que mais se partilha entre coetâneos do que no espaço familiar que era até ai. Período difícil para adolescentes, pais e educadores, que têm de se redescobrir nas obrigatórias diferenças. A própria adolescência de Jesus teve um momento destes, quando aos doze anos foi perdido e achado por Maria e José, com o aprofundamento da verdade própria, sua e deles (cf. Lc 2, 41 ss).
O mais que desejamos e pedimos, neste Domingo de Ramos assim conotado, é que cada família se redescubra sempre como lugar primordial de comunhão humana, onde se reforce a verdade pessoal e interpessoal de cada um dos seus membros. E Cristo nas famílias fará delas Igrejas domésticas, onde nasçam e cresçam os filhos de Deus por que o mundo espera. Na presente “crise” ganha maior atualidade e urgência a grande visão de São Paulo, assim transcrita: “… a criação encontra-se em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus” (Rm 8, 19).
E a vós, caríssimos jovens aqui presentes, em Jornada que é especialmente vossa, apelo convictamente ao que podeis e deveis dar, sobretudo uns aos outros. Refiro-me à grande capacidade que tendes de vos agregar e ouvir, ao idealismo que vos faz sonhar com um futuro de que não desistis, porque ainda antes não desiste o próprio Deus.
Amigos de Cristo como sois, nos ramos que hoje lhe levantais, nas capas que agora estendeis, nos hossanas que também bradais, acolhei a Cristo uns nos outros, conhecei-O sempre mais e melhor e dai testemunho evangélico no mundo escolar e juvenil que é o vosso. Ganhareis assim a experiência viva duma Igreja jovem, em que vos continuareis a apoiar depois, na concretização familiar, profissional ou vocacional das vossas existências. - Continuai assim, dos Ramos de agora à Páscoa da vida!
Amados irmãos e irmãs: - Aí passa Jesus, aqui o temos hoje, para aclamar e seguir. Na Cruz da próxima sexta-feira distinguiremos já os primeiros fulgores da Páscoa. E, diante das dificuldades a ultrapassar no tempo em que estamos, mesmo quando não soubermos logo como fazer, saberemos decerto com Quem o faremos: - Com Cristo, que entra na cidade para não mais sair dela! Como prometeu e a ressurreição garante: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos!” (Mt 28, 20). Prossigamos então, acompanhando-O até ao Fim, que é o absoluto recomeço das coisas.

+ Manuel Clemente
Sé do Porto, 1 de Abril de 2012

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