Testemunho do amigo Padre António Machado Abade da Vila Termal de Caldas de São Jorge e de Cristo Rei da Vergada.
1.Desde os finais do Ano 2009 tive o privilégio de acompanhar muito de perto o Reverendo Amigo Padre Domingos de Azevedo Moreira, digníssimo Abade de Santa Maria de Pigeiros que o seria quase por 50 anos.
Tarde o conheci, melhor tive o privilégio de o conhecer pertinho, dando por desperdiçado os cerca de 27 anos que o conhecia desde a minha chegada à hoje Vila termal de Caldas de São Jorge a 8 de Janeiro de 1984.
Entretanto durante os mais de 27 anos que me encontro em Caldas de São Jorge fui tomando conhecimento e consciência da sua excelente pessoa e inconfundível personalidade, elevada cultura e invejável sabedoria.
“ Ele que era rico (em sabedoria, cultura, ciência) fez-se pobre para conquistar para Cristo!
Da sua rica pobreza enriqueceu a muitos da miséria!”
Tão tarde o conheci e se mais cedo o soubesse muito mais o teria estimado. E estimei.
2. À medida que me foi dada a oportunidade de conhecer a sua identidade e personalidade, da sua obra e exemplaridade existencial subiu vertiginosamente a graduação e a estima na minha mente e minha alma a mais elevada consideração.
Soube que o Reverendo Padre Domingos esteve em Caldas de São Jorge de 1978-1978, durante seis meses, não reconhecidos, não estimados, não prezados, subestimados e redutoramente avaliado.. e do que tenho muita pena!
Entretanto o mesmo exercia o seu ministério docente no Externato Castilho seguidamente no Liceu, São João da Madeira, onde o Grego, Latim, Educação Moral e Religiosa Católica eram a vertente e o vector educacional, somando os seus proventos financeiros merecidos aos redutos contributos da sua actividade pastoral, tanto em Pigeiros, como mais tarde Admnistrador de Guisande e ainda concomitantemente na continuidade da paroquialidade de Pigeiros que por um triz o era a quase por 50 anos.
Paira na mente, no espírito, memória das suas gentes e na minha aquela fisionomia franzina, simples, simpática, sorridente, sábia e mesmo não tendo “transporte próprio” (viatura), recorria à boleia depois de ter posto de parte a sua “chibinha”
( para outros reca) que o fez cair na estrada da Galga, Pigeiros,deixando medalhas e condecorações na testa e resto do corpo para não falar da roupa estragada e que depois foi encostada definitivamente para o inferno da sucata. Foi bem feito. Não é assim que se trata o Senhor Doutor, um Sacerdote, um Sábio, um Pastor!
3. Então é vê-lo à boleia feito pendura de camionistas, em bina de motoreta, de viaturas de particulares de condutores simpáticos e simpatizantes, passageiro de lugar cativo da Feirense e da Rodoviária Nacional.
As Bibliotecas, Arquivos, Universidades, tanto Distritais como Nacionais têm agora os olhos arregalados e embasbacados por não o verem percorrer as suas estantes, escrevaninhas e arquivos! O mesmo reclamam as montras e as Livrarias, Editoras do Porto, de Braga, de Santiago de Compostela, os alfarrabistas e tantas outras.
4. E então é vê-lo desde Oliveira do Douro em 1961 até ao presente a investigar, a escrever, publicar obras e trabalhos da sua vasta e extensa bibliografia publicada e esparsa.
De tudo o que foi publicado estava na sua mente a próxima publicação da “Imitação dos Anjos” de Santo Isidoro de Sevilha e a Vita Christi de Ludolfo da Saxónia. Só o não fez porque não houve tempo do tempo que era preciso. Precisava dos livros do mesmo título e autor em Latim que o não conseguiu e não lhe foi incivilmente dispensado mas conseguido no dia do seu falecimento e no dia seguinte via internet pdf de Toronto do Canadá! A Imitação de Maria a levou consigo, mas não teve tempo de levar a Imitação dos Anjos e da Vida de Cristo em Português. Mas tanto uma como outra ficam para a próxima e para os mais corajosos, cumpridores e admiradores.
5. Todavia a partir dos finais de 2009 não sei se por casualidade, empatia e simpatia me aproximei desta personalidade simples, impar, singular, histórica.
Famosas foram as idas à Universidade de Compostela, a Ribadumia, Vigo, Tuy fora as restantes saídas solicitadas e provocadas como a Paredes de Coura, Caminha, Ponte de Lima, Punhe ( Barroselas – Mesa dos quatro Abades), Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Braga, Guimarães, Coimbra, Lisboa, Vale de Cambra, Arouca, Famalicão, Lorvão, Penacova e tantas outras localidades.
Não ficou esquecido o Marco dos Quatro Concelhos e quatro presidentes a seguir a Rebordelo, juntando Santa Maria da Feira, Gondomar, Castelo de Paiva e Arouca.
6. De realçar a sua esplendorosa e agradável presença como companhia de viagem sempre falante, diálogo sobre qualquer assunto desde o mais sério, pungente, ao mais anedótico e hilariante! Impecável.
Nas suas viagens nunca pedia para parar e comer. E se o fazia era rápido e frugal. Então para caminhar e andar a pé era preciso o acompanhante estugar o passo.
Aceitava tudo o que lhe davam e ofereciam e apresentava sempre a sua frase e dito tão simpático e agradecido:”a miséria agradecida reconhece tão prestimosa dádiva e oferta! Deus lhe pague!”
7. De referir a sua pressa em estar a tempo e horas nas paróquias em detrimento de viajar cedo, de madrugada, para “ castigo “ do condutor de deitada tardia e de ter de madrugar cedo. Mas vá lá, valeu a pena.
Tanta coisa havia a dizer a este respeito mas fica para ulteriores escritos e menções.
8. Interessantes os encontros matutinos no Café Forno Quente fronteiro à Igreja Matriz de Pigeiros onde todas as manhãs se encontrava aproveitando estrategicamente o espaço logístico, quentinho e panorâmico que a residência Paroquial lhe roubava, e os seus livros o espaço lhe retiravam. Mas não tinha mal; eram os seus amigos a que o gatinho amarelo vigiava. Aí no café tudo resolvia: as homilias, as pregações, saídas e visitas de estudo, etc.
Das várias vezes que lá o encontrei houve duas inglórias. A primeira em que caiu nos degraus das escadas da Residência onde partiu a testa, amachucou o nariz e se estilhaçaram os óculos. Mas tudo se resolveu rapidamente com o concerto tanto da cabeça como dos óculos.
A segunda em que o procurei e não encontrei pois tinha sido hospitalizada de passagem em São Sebastião, seguindo de imediato para um outro Hospital de São Teotónio em Viseu onde esteve uma data de dias. Entretanto regressou a São Sebastião, que em visita inolvidável de amigos me confidenciou que esteve cinco dias do lado de lá, coma induzido. Pedi-lhe para escrever o que lá viu. Riu-se, nunca disse nada, nem escreveu. Parece que isso é usual em todos os que passam por essa situação…
9. Após o regresso hospitalar foi simpática e carinhosamente, definitivamente acolhido pela sua sobrinha Maria de Fátima de Pinho Moreira Magalhães e Marido José Magalhães e os três jovens segundos sobrinhos. Um exemplo acolhedor de solicitude, cuidado, zelo para com um sacerdote sábio, simpático, de exígua e reduzida exigência que lhe era historicamente conhecida e peculiar.
Em ampla sala polivalente de largas vistas panorâmicas para os campos e matos fronteiros a perderem-se nos horizontes de floresta de pinheiros, eucaliptos característicos, sentia-se livre como o pardal ou como o peixe na água na contemplação franciscana da natureza e do meio ambiente e como ermitão feliz, alegre no seu ermitério.
Lá recebia as visitas, as mais diversas: de gente simples, ilustres da cultura, da arte de bem investigar e escrever, superiores e colegas eclesiásticos.
10. Solícito pastor preocupava-o a comunidade de Pigeiros. Guisande já era de mais, muita tarefa para a sua já frágil pessoa, entretanto ao cuidado do jovem, dinâmico, simpático Vigário, digo Arcipreste, o Reverendo Padre José Carlos Ribeiro Teixeira. Os fiéis não ficaram sem a Quarta-Feira de Cinzas, Domingo de Ramos, Semana Santa, Páscoa, etc. pelo mesmo dinamizadas.
A Pigeiros e a Guisande nada faltou.
11. Entretanto os dias passaram-se uns atrás dos outros sempre na expectativa do nosso grande amigo melhorar e recuperar. À Missa diária não falta enquanto pôde e teve forças, as possíveis. Nas últimas possíveis celebrações dos dias 8 e 9 de Janeiro já se propunha audazmente celebrá-las em cadeira de rodas conduzindo-o ao altar com trajecto e logística incondicionado para receber e aceitar um celebrante nestas condições. Restando apenas de seguida o projecto no pensamento, sem ter passado ao papel e concretização. Foi a nega da técnica, da estratégia, da logística em conjunto com a debilidade que o impediram. Mas não tem mal, diria o mesmo se tivesse tempo do tempo para o dizer de mansinho.
12. Fica para a história todo este tempo, meses, dias e horas desde a Páscoa até ao dia 10 de Janeiro pelas 9.30 horas. Onde não faltaram “as corridas e investidas”a Guimarães ( e o impecável e simpático Dr. Padre Hilário de São Lourenço de Selho), a Caminha, Paredes de Coura, Ponte do Lima ( e as famosas Bandas de Música Minhotas!!), Braga ( dos Arcebispos, dos Santos e do engano!), de Vila do Conde, de Póvoa do Varzim, Beiriz, Coimbra, Lorvão, Penacova, Famalicão, Requião, etc.
Como consequência de tantas voltas o Scenic ( coitado!) ainda apanhou umas focinhadas de incautos na rectaguarda de seguida recuperadas.
13. Mas desde que foi notado o seu estado grave de saúde não houve que pôr mais entraves a recusas e a omissões; e foi então seguir o ritmo dos seus pedidos e intenções: por duas vezes visitas e audiências com o grande Historiador José Matoso, Carvoeiro, Sever do Vouga. Idas ao Porto às livrarias, montras e quiosques.
Particularmente importante a do dia 4 de Janeiro onde nenhuma das livrarias da baixa do Portuense, suas preferidas, foram esquecidas e com novos carregamentos de livros. E as dificuldades denotadas das suas deslocações . Mas tudo correu bem!
À chegada à Igreja Matriz de Pigeiros, ao fim da tarde do mesmo dia lá estavam os seus dois preferenciais amigos, sábios e estimados: Dr. Cândido Santos e Dr. Celestino Sá e Portela. Assunto: É necessária e urgente a sua bibliografia. Entretanto na Igreja se iniciava a Eucaristia desse dia de terça-feira presidida pelo seu pastor. Foi a última pois as pernas já não o ajudavam. “A cabeça pede para andar para a frente mas pernas ficam para trás.”
14 . Mas faltava a próxima e que seria a última viagem e saída. Era precisamente a Coimbra ( faculdade de Letras), Lorvão, Penacova, Famalicão e Requião. O dia tinha de dar para tudo. Partida projectada para cedo mas foi mais tarde pelas 9.30 horas.
“ Mas vai haver tempo para tudo”? Perguntou.
Vai haver e ainda sobrar. Sobrou pouco.
Chegados a Coimbra procurou-se saber da abertura dos serviços da Universidade, o que foi afirmativo. E toca a andar, mas é o andas. Nem um passo. Não tem mal. Da mala saiu uma prévia e inesperada cadeira de rodas qual brinquedo prestou excelente e adequado meio de transporte e deslocação pelos corredores, átrios e biblioteca da Universidade. É mesmo jeitoso! Disse.
15. Terminada a visita a Coimbra, segue-se rumo ao Convento de Lorvão, Penacova onde se adquiriram livros de importância primacial como o Opúsculo da Irmandade e Confraria da Senhora da Boa Morte, que lhe serviu de referência na elaboração do seu generoso e bem-intencionado testamento.
E agora para onde é que se vai?
Pode-se ir a Requião, Famalicão?
Sim, pode-se ir?
Sim. Vamos lá.
E lá fomos. O pior foi encontrar a Rua do Convento e o penedo que assinalava a entrada da mesma. Mas lá se conseguiu!
Chegou-se à Casa das Irmãs da Editora Boa Nova. Era já fora de horas. Noite escura. Não havia nada para ninguém. Eis senão quando saíram ao portão quatro jovens noviças puxando um carrinho de duas rodas de pneu que transportava lixo ou lá que fosse. Foram o nosso anjo da guarda. Trouxeram até nós as Irmãs. E tudo se resolveu.
Trouxeram mais livros: uns comprados, outros oferecidos.
Pretendia-se saber se poderiam publicar “ A Imitação dos Anjos de Santo Isidoro de Sevilha.
E talvez fosse abertura de futuras publicações de outros, quiçá até a Vita Christi de Ludolfo da Saxónia em Português…
16 . Logo de seguida o regresso à Reguenga em Romariz pelas 20.00 horas.
Era dia 5 de Janeiro tradicional Véspera de Reis.
Veio o dia 6, 7,8 e 9 Janeiro e a saúde do corpo franzino e débil não se compadece.
Domingo 9 de Janeiro um Domingo como qualquer outro, só que não pode celebrar a Santa Missa de que tanta gostava e adorava celebrar. Durante todo o Domingo recebeu visitas, inclusive elaborou o seu exemplar Testamento.
Veio a noite e a madrugada de segunda-feira de desconforto físico e pelas 9.30 horas as forças fraquejaram, cabendo a missão ao transcritor deste testemunho e narrativa. Depois de avisado, apresentar-se para administrar a Santa Unção, bênção apostólica acender a luzinha do círio da despedida, fecho do olhar, cerrar da boquinha da partida deste mundo para o Auspicioso e Bem-aventurado Além.
Paz a quem tanto por ela trabalhou durante a sua Vida!
"Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé (2Tm 4:7)."
“Sendo rico ( no amor, na graça, exemplo e sabedoria), fiz-me pobre,
para os pobres enriquecer com a minha pobreza ( riqueza da alma e do espírito).”
Eu próprio sou o presente de quem me acolher.
“Não vim ensinar os homens a ter, mas a ser,
porque quanto mais despojada é a vida humana,
maior é aos olhos do Criador.”
P. António Machado
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