Homilia de D. Carlos Azevedo na Véspera de São Jorge
22 de Abril de 2012
Homilia São Jorge
Domingo Páscoa 3 B
Caldas de S. Jorge,
22-4-2012
Vós sois testemunhas de
todas estas coisas
Somos testemunhas da
passagem do medo para o anúncio, somos testemunhas da passagem de uma fé sem
saber porquê a uma consciência pessoal. Somos testemunhas da passagem das mãos
e pés cravados à liberdade da Ressurreição. Somos testemunhas da leitura unida
dos factos desde Moisés, Profetas e salmos aos dias de hoje, como acção do
mesmo Deus. Somos testemunhas do arrependimento e do perdão dos pecados. De
todas estas coisas e muitas outras somos testemunhas, como São Jorge, mártir do
seculo IV. O cristianismo não é uma religião individualista. Convida-nos à
celebração comunitária, à manifestação humilde da nossa fé, a um amor mandado
por Deus.
Sigamos São João para ver
três caracteristicas deste modo novo de amar pelo qual São Jorge deu a vida.“Aquele que diz conhecer Deus e não guarda os
seus mandamentos é mentiroso” (I
Jo.2,4)! A unidade entre conhecer e
amar é funda mental. O conhecimento de Deus une-se ao amor. Não se trata de um
conhecimento superior, para iluminados, que necessita de fugir do mundo. Nós,
cristãos, ao conhecer Deus, ficamos implicados no testemunho de um amor que
abre horizontes na relação com todas as criaturas que Deus ama. Conhecimento e
amor ficam claros: «Todo aquele que ama nasceu de Deus e
conhece-O. Aquele que não ama, não conhece a Deus, porque Deus é Amor” (I
Jo.4,7-8).
Uma segunda caracteristica é que este amor a Deus, não é apenas uma
questão de «sentimento»! «Meus filhinhos, não amemos com as palavras e
com a língua, mas por obras e em verdade” (I Jo.3,18). O amor é também um
acto de vontade! Os sentimentos são volúveis. Num momento sentimos uma coisa,
passado uns momentos sentimos outra. O sentimento pode ser uma trampolim
inicial, mas não é a totalidade do amor. O amor une o pensamento, o sentimento
e a vontade.
Em terceiro lugar, o amor não só não é apenas conhecimento, ou sentimento; é um mandamento. Há, por assim dizer, um
dever de amar: «Aquele que diz que está
em Deus, deve andar como Ele andou» (Jo.2,6); «Jesus deu a vida por nós, e nós devemos dar a nossa Vida, pelos
nossos irmãos» (I Jo.3,16); “Aquele
que diz conhecer Deus e não guarda os seus mandamentos é mentiroso” (I Jo.2,4)! Somos testemunhas deste mandamento cumprido até ao fim na entrega
de Cristo.
A este amor se unem
especialmente os mártires. Conscientes deste mandamento, obedecem ao dever de
amar. Isto pode parecer uma afirmação dura de roer, numa cultura, que exalta o
amor, como um impulso espontâneo, momentâneo quando não instantâneo?!
Daí a importância, de nos
vincularmos a um dever, que dê confiança e estabilidade. Quando se conhece a
Deus como apaixonados pelo seu amor não separamos o prazer do dever. Permanecer
e resistir, não obstante as adversidades
é fonte de alegria.
A cultura actual, ao
exaltar a liberdade de mudar e a espontaneidade do momento, fragmenta as vidas
e desfaz relações.
Vejamos, agora, como na
vida de São Jorge vence a estabilidadae do amor.
São Jorge goza de um culto
na Palestina como santo António na Europa. O megalo-mártir, como lhe chamam no
Oriente foi uma testemunha firme de Cristo. Mostrou-se firme em tantos
suplícios e aflições pela graça de Deus que nele habitava, pelo espaço a Deus
que consagrava nas suas decisões. A fortaleza da sua vontade arrumava com
qualquer medo e nele crescia a esperança. Não era uma esperança baseada no ar
das palavras, mas concretizada na caridade criativa e na audácia das atitudes.
Tantos como vós,
caríssimos irmãos e irmãs das Caldas de S. Jorge, por todo o mundo, como
veremos esta tarde, desde o século V recorrem a São Jorge como exemplo de
lutador, que não se deixa abater pelas adversidades, trava as batalhas contra a
injustiça e a maldade, representadas no dragão, e vai até dar a vida pelos
valores que defende.
Continuemos a ver em São
Jorge um modelo de cavaleiro defensor dos débeis, nesta hora difícil que vive
Portugal e a humanidade. O nosso país e a nossa Igreja andam tão necessitados de
militância firme, tão carentes de audácia para encontrar uma via para um
humanismo global, uma consideração planetária da humanidade que vença os
auto-considerados donos do mundo, novos monstros-dragões a sugar as vidas dos
pobres, de olhar tacanho para um horizonte com sereno futuro.
Anda já no ar a lança para
vencer a maldade dos mercados, a incapacidade dos líderes das nações motivarem
para um novo estilo de vida, neste momento de grande mudança do planeta.
Agarremos, com ambas as mãos, esse instrumento de vitória e unamos esforços
para, animados por Cristo Ressuscitado, que fortaleceu S. Jorge, deixarmos a
indolência e não permitirmos mais decisões imperialistas, usurpadoras do
futuro, venham elas donde vierem.
Este exemplo vivo e
incansável de realização do dever de amar aos outros faça cada um de nós ir
mais longe, ser mais estável, não reduzir à espontaneidade, ao sentimento o
mandato de Cristo. Cada um descubra as formas concretas que o amor tem de lhe
rasgar as mãos e os pés, de lhe abrir o coração. Porque é nos sinais da entrega
de Cristo que reconhecemos hoje o Cristo vivo, Ressuscitado.
A paz que nos deseja tem a
medida do seu amor.
+ Carlos Moreira Azevedo
Delegado do Pontificio
Conselho da Cultura
Sem comentários:
Enviar um comentário