quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Dois temas de actualidade na Igreja da Europa, Portugal, Diocese do Porto e Paróquia


Exortação apostólica pós-sinodal " Ecclesia in Europa" sobre Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança para a Europa
E Igreja em Portugal  -  Crises e Esperanças
 Conferência aos membros da Companhia de Jesus, Soutelo, 30 de Agosto de 2011 (esquema)
- Ou retomando um documento pouco “recebido” que, de facto, constitui a vários títulos como que uma nova “Gaudium et Spes” para o século XXI… Cf. João Paulo II – Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Europa sobre Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança para a Europa, 28 de Junho de 2003.

1. Prosseguindo uma reflexão que vem sendo feita nas últimas décadas, a exortação apostólica já conclui: “Em várias partes da Europa, há necessidade do primeiro anúncio do Evangelho: aumenta o número das pessoas não baptizadas, seja pela consistente presença de imigrantes que pertencem a outras religiões, seja também porque famílias de tradição cristã não baptizaram os filhos […]. Com efeito, a Europa faz parte já daqueles espaços tradicionalmente cristãos onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a primeira evangelização A Igreja não pode subtrair-se ao dever dum corajoso diagnóstico, que lhe permita predispor as terapias mais oportunas. Mesmo no ‘velho’ continente existem extensas áreas sociais e culturais onde se torna necessária uma verdadeira e própria missio ad gentes (cf. Redemptoris Missio, nº 37)” (EE, nº 46).


2. No número seguinte, a exortação apostólica ilustra em três pontos maiores a actual situação europeia: falta de adesão concreta à pessoa de Jesus, dissolução da fé e desfundamentação dos valores: “… [1] Muitos baptizados vivem como se Cristo não existisse: repetem-se gestos e sinais da fé, sobretudo por ocasião das práticas de culto, mas sem a correlativa e efectiva aceitação do conteúdo da fé e adesão à pessoa de Jesus. [2] Em muita gente, as grandes certezas da fé foram substituídas por um sentimento religioso vago e pouco empenhativo; […] assiste-se a uma espécie de interpretação secularista da fé cristã que a corrói, suscitando uma profunda crise da consciência e da prática moral cristã. [3] Os grandes valores, que inspiraram amplamente a cultura europeia, foram separados, do Evangelho, perdendo assim a sua alma mais profunda e dando lugar a vários desvios (cf. nº 109: “Para dar novo impulso à sua história, a Europa deve reconhecer e recuperar, com fidelidade criativa, aqueles valores fundamentais, adquiridos com o contributo determinante do cristianismo, que se podem compendiar na afirmação da dignidade transcendente da pessoa humana, do valor da razão, da liberdade, da democracia, do Estado de direito e da distinção entre política e religião”)” (EE, nº 47).

3. Divisando uma “nova evangelização” da Europa,
poderemos tomá-la como a 5ª, se repararmos nos sucessivos impulsos que o cristianismo europeu foi conhecendo ao longo de dois milénios, em ligação com a sociedade e a cultura.
A 1ª foi dos “mártires",
a 2ª dos “monges”,
a 3ª dos “frades”,
a 4ª dos “missionários”.
A 5ª -A “nova” poderá juntar criativamente todas as outras, num contexto sóciocultural que assim o requer: novas testemunhas de Cristo e do sentido pascal da existência, reanimando as comunidades no oração e no serviço do próximo (= aproximando-se de todos).

4. É ainda com sugestões da Ecclesia in Europa que podemos esclarecer estes dois pontos da oração e do serviço. Quanto ao primeiro: “A Igreja, que acolhe esta revelação [de Deus e do sentido da história], é uma comunidade que reza. Ao rezar, escuta o seu Senhor e aquilo que o Espírito lhe diz (cf. Ap 2, 1-3.22); adora, louva, agradece, e também implora a vinda do Senhor: ‘Vem. Senhor Jesus!” (Ap 22, 16-20)” (EE, nº 66). Quanto ao segundo: “Para servir o Evangelho da esperança, é pedido também à Igreja na Europa que percorra a estrada do amor. Trata-se duma estrada que passa através da caridade evangelizadora, do empenho multiforme no serviço, da opção por uma generosidade sem tréguas nem confins” (EE, nº 83-84).

5. A presente “crise” dá uma particular urgência a este último ponto, que aliás constituiu o tema da primeira encíclica de Bento XVI. A experiência das últimas Jornadas Mundiais da Juventude, reforçou na generalidade dos que as viveram, particularmente os jovens, a conjugação da oração pessoal e comunitária com o acolhimento e o serviço.
Manuel Clemente
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Conferência na XXXIV Semana Bíblica Nacional, Fátima, 31 de Agosto de 2011

1. O tema que me deram define tanto a actualidade como a realidade permanente da Igreja de Cristo, entre a “crise” que a agita e a esperança que transporta, de si para o mundo.
Para não me dispersar numa exposição necessariamente breve, apresento-vos o resumo pessoal dum documento de trabalho da Conferência Episcopal Portuguesa, fruto de muitas contribuições de dioceses, institutos, movimentos e obras, tendo em vista “repensar juntos a pastoral da Igreja em Portugal”.
Elenco as “sombras” e as “luzes de esperança” apontadas nas referidas contribuições. O documento é de Abril passado e tem a vantagem de sumariar como nunca um vasto número de análises e sugestões da generalidade dos nossos quadrantes eclesiais.
 2. Quanto às “sombras” – outro modo de dizer pontos críticos -, apontam-se as seguintes, resumindo e mantendo geralmente a formulação :
1) A questão identitária, o divórcio entre fé e vida.
2) A perda da vocação missionária e do ardor evangelizador.
3) A falência dos actuais modelos de iniciação cristã e a falta duma oferta formativa, permanente e sistemática.
4) A não concretização duma Igreja onde todos tenham uma missão insubstituível a desempenhar.
5) A falta de alegria, entusiasmo e esperança, sem novos caminhos de evangelização e compromisso.
6) O ritualismo litúrgico, com celebrações distantes da vida e homilias extensas e tristes.
7) Uma Igreja envelhecida, a viver da pastoral de manutenção.
8) Uma Igreja muito clerical e sacramentalista, onde diminui a prática e os jovens se afastam, a acção se dispersa e as vocações escasseiam, sem capacidade para interpelar e propor credivelmente.
9) O individualismo nas expressões da fé, sem responsabilização eclesial.
10) A falta de rostos, modelos concretos e testemunhos públicos de fé cristã.
11) Uma linguagem hermética, que não facilita a relação com o mundo, e a ausência eclesial nos novos areópagos.
12) A dificuldade em ter espaço e presença nalguns meios de comunicação social.
13) O desânimo e o pessimismo de sacerdotes e agentes pastorais. 14) A crise de vocações de consagração.
15) A falta de agentes pastorais leigos.
16) A falta de harmonia de critérios pastorais.
17) O esquecimento da Doutrina Social da Igreja.
18) A desagregação do ambiente familiar, com a consequente perda do seu papel na transmissão da fé.
19) Algumas “sombras dispersas”, como a perda do sentido do Domingo, a fé tradicionalista e pouco esclarecida, a catequese entendida como “actividade extracurricular”, o envelhecimento dalguns grupos apostólicos, as romarias meramente turísticas…

3. Reconhecem-se, em contraponto, várias “luzes de esperança”: 1) A autenticidade de muitos cristãos comprometidos com o Evangelho no mundo e na Igreja.
2) A redescoberta da Palavra de Deus.
3) A valorização de momentos de verdadeiro encontro orante e sacramental com Cristo.
4) A maior atenção aos sinais dos tempos e ao diálogo com o mundo.
5) A procura de pontes de diálogo com a cultura.
6) O esforço de adaptação às novas linguagens e tecnologias da comunicação social.
7) O aumento de carismas e novas expressões eclesiais.
8) A partilha dos carismas religiosos com os leigos e a presença dos consagrados em âmbitos sociais significativos.
9) A preocupação com a qualidade, a competência e a beleza das iniciativas.
10) As celebrações de acontecimentos eclesiais de grande vitalidade, da visita do Papa ao Ano Paulino, ao Ano Sacerdotal ou às jornadas Mundiais da Juventude.
11) A promoção do diálogo ecuménico e inter-religioso.
12) A partilha e a solidariedade manifestadas por pessoas e instituições eclesiais, bem como a grande rede de acção social da Igreja.
13) Alguns caminhos de inovação, na conjugação dos vários movimentos e obras, na evangelização através dos meios de comunicação, etc.
14) A existência de orgãos de colegialidade e participação, como os sínodos e os conselhos.
15) O maior trabalho em rede.
16) A presença de sinais de Deus no mundo secularizado, como os santos, os mártires ou a mensagem de Fátima.
17) O número crescente dos participantes em peregrinações e outras manifestações de religiosidade popular.
18) A emergência de vocações laicais e a crescente participação de leigos na acção da Igreja.
19) O reconhecimento do papel da mulher na vida e estruturas da Igreja.
20) Algumas iniciativas de nova evangelização e de formação na missão e para a missão, como o ICNE de 2005 em Lisboa ou a Missão 2010 no Porto.

4. O documento de trabalho inclui também várias sugestões para o que intitula “empenho criativo, ardente e frutuoso na nova evangelização”, tema sobremaneira actual. Podemos resumi-las assim:
1) Assumirmo-nos como Igreja missionária e evangelizadora.
2) Evangelizar com ardor sobrenatural e força carismática.
3) Tornar visível o testemunho cristão: ousado, profético, belo, verdadeiro, coerente, misericordioso, santo…
4) Fazer da caridade a prioridade de todos os programas pastorais.
5) Dar precedência à intimidade com Deus: retiros, exercícios espirituais, lectio divina, encontros bíblicos e de formação cristã.
6) Cuidar da dimensão contemplativa das comunidades cristãs.
7) Valorizar a qualidade e a beleza das nossas acções.
8) Criar e valorizar espaços e momentos de encontro com Cristo vivo (Palavra, oração e sacramentos).
9) Dar espaço e voz aos movimentos e novas formas de vivência eclesial.
10) Insistir nos princípios da Doutrina Social da Igreja [dignidade da pessoa humana, bem comum, subsidiariedade e solidariedade] para a edificação duma sociedade nova.
11) Perscrutar os sinais dos tempos, em constante diálogo com o mundo.
12) Dialogar com a cultura.
13) Rever a linguagem e repensar a presença da Igreja na sociedade.
14) Estar presente na comunicação social, aproveitando as novas tecnologias.
15) Estar também nos “novos areópagos” e abrir o “átrio dos gentios”, com qualidade, fidelidade e criatividade.
16) Valorizar a identidade sacerdotal, à imagem de Cristo “Bom Pastor”.
17) Valorizar as estruturas de acolhimento e proximidade.
18) Formar pastoralmente para as novas problemáticas, como as dos divorciados, recasados, em união de facto e outras situações irregulares.
19) Comprometer mais dinamicamente as comunidades nos vários sectores da pastoral, interna ou externa.
20) Apostar na evangelização dos novos bairros e urbanizações, das grandes superfícies, das minorias e dos mais pobres.
21) Mobilizar mais, especialmente os jovens, para a participação social e as grandes causas da justiça e da paz.
22) Publicar documentos eclesiais simples, breves, espaçados, actuais e voltados para as realidades concretas das pessoas.
23) Pensar num projecto de nova evangelização de 3 ou 5 anos, para todas as dioceses.
24) Prestar atenção à universalidade, interculturalidade e inter-religiosidade na nova evangelização.
25) Aproveitar a religiosidade popular, as peregrinações e os santuários marianos como pontos de apoio providenciais para a nova evangelização.

5. Trata-se, fundamentalmente, de voltar a Cristo e progredir em Cristo, reconhecendo-O  pessoal e comunitariamente como o essencial do que nos define e projecta. Dizer “Cristo” (= Messias ou Ungido) é reconhecer Jesus nos precisos termos com que Ele mesmo se auto-proclamou na sinagoga de Nazaré, citando Isaías 61: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres…” (Lc 4, 18). E viver do mesmo Espírito, que com Ele nos faz “cristãos”, exactamente para a mesma obra evangelizadora e em expansão.
É muito interessante verificar como nas propostas feitas para a nova evangelização da nossa sociedade e cultura se acentuam as duas dimensões que identificam o próprio Jesus, em relação ao Pai e ao mundo, como intimidade e serviço, adoração e caridade.
No conjunto dessas sugestões, tanto se acentua a necessidade de partir de Deus e da relação com Cristo vivo como a urgência de manifestar Cristo ao mundo, através da acção pessoal e associada dos cristãos, certamente com aqueles “novo ardor, novos métodos e novas expressões” que João Paulo II requeria para a nova evangelização.
A alusão também feita aos novos carismas e à renovação dos mais antigos, bem como ao reconhecimento eclesial do seu papel e importância, relembra-nos a sucessiva emergência deles nas várias etapas evangelizadoras do cristianismo europeu e além dele. Se a
1ª evangelização foi sobretudo motivada pelos “mártires”, que testemunharam exemplarmente o sentido pascal da existência,
a 2ª foi a dos “monges”, sobretudo os cenobitas, que criaram uma sociabilidade nova, numa prioridade contemplativa que refundava a comunidade e a abria em hospitalidade;
a 3ª foi a dos “frades”, que colmataram as brechas sócioculturais abertas pelo mercantilismo renascente e deram à fraternidade espiritual e prática um fortíssimo impulso;
a 4ª foi a dos “missionários”, internos ou ultramarinos, que - até hoje - tanto refundaram ciclicamente as comunidades como as criaram de raiz em espaços de primeira evangelização.
A 5ª ou nova evangelização, que agora tanto urge e de também se divisa nas sugestões atrás elencadas, terá de sintetizar criativamente as diversas figuras das quatro anteriores: propostas “pascais” que, no acolhimento de Deus e dos outros, alarguem a fraternidade autêntica, a partir duma constante conversão a Cristo. Conversão que nunca deixe adormecer o seu corpo eclesial, nem lhe permita retroceder à mera religiosidade espontânea, que geralmente não vai além do círculo fechado “da terra, do sangue e dos mortos” e desconhece a liberdade para que 
Cristo nos libertou (cf. Gl 5, 1).
Manuel Clemente

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