segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Homilia do bispo do Porto .. 1 de Janeiro 2012

Homilia do bispo do Porto 
na solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
Dia Mundial da Paz
Celebrando com toda a Igreja
e em intenção de todo o mundo…
 
1.“Naquele tempo, os pastores dirigiram-se
apressadamente para Belém e encontraram
Maria, José e o Menino deitado na manjedoura…
 Os pastores regressaram, glorificando
e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto…”.
São frases curtas e incisivas, estas de São Lucas,
no Evangelho há pouco escutado,
quando celebramos com toda a Igreja
 e em intenção de todo o mundo
a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus
– Dia Mundial da Paz,
abrindo assim o ano da graça
de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2012,
 bem entrados já no terceiro milénio cristão.
Os pastores encontraram Maria, José e o Menino,
ou seja, depararam com uma família,
 a que justamente chamamos “sagrada”,
pois foi nela que Deus se apresentou ao mundo.
Das muitas verdades que concluiríamos daqui,
fixo-me agora em algumas.
E a primeira é a da inaudita chegada de Deus à terra,
a sua visualização no mundo:
 – Quem imaginaria que assim fosse?
Os deuses antigos viviam em Olimpos,
não eram meninos em manjedouras.
E, se algum aparecesse, seria certamente só por si,
manifestando individualmente o poder
que a imaginação dos homens lhe emprestasse...
Em Belém fora tudo inesperado e diferente:
 a mãe que o tivera,
o pai que o adoptara
e o Menino por fim.
Definitivamente, pois nunca será doutro modo.
Entendamo-nos neste ponto.
Nem precisamos de ser imediatamente religiosos,
para concluir que nada de essencial aparece
nem essencialmente se resolve
sem contexto comunitário
 – esse mesmo de que a família é a primeira expressão.
E, se tanto individualismo que por aí alastrou
e sobeja foi inegavelmente uma das causas da presente crise,
também se evidencia que as famílias
 – ou o que permanece delas –
ainda são porto de abrigo para muitos dos que mais a sofrem,
por súbita falta de meios materiais ou de apoio afectivo.
Mas, se a isto somarmos a convicção cristã
de que Deus nos visitou naquele Menino
e daquela maneira, mais razões teremos para respeitar
e promover a família como base indispensável
da humanidade a reconstruir
 – e precisamente a partir dela.
E falo, obviamente, da família
que mantenha o específico do que sempre manteve,
apesar das diversidades étnicas
e culturais que também conheceu:
a complementaridade feminino-masculino
e a abertura à geração.
2. É certo que a família é o primeiro patamar
da sociabilidade humana, a que se sucedem outros.
O longo e árduo desenvolvimento das sociedades
demonstra bem que estas se conseguiram pela extensão das redes interfamiliares, quer partilhando antepassados comuns
quer incluindo quem vinha de fora.
E o próprio Menino que hoje contemplamos na família de Belém surpreenderá doze anos depois Maria e José,
quando o reencontrarem no templo de Jerusalém.
Aí indicou uma paternidade mais alta e mais ampla,
por si alargada a nós todos, na família dos filhos de Deus.   
É certo.
Mas nada disto sucederá sem a primeira
e indispensável aprendizagem social e afectiva
que na família normalmente acontece.
E também isto se difundiu a partir do presépio de Belém,
como depois da casa de Nazaré.
Não é por acaso que os presépios
que montamos nesta quadra mantêm
tanto poder evocativo e pacificador.
Da família que teve na terra,
Jesus extraiu toda a linguagem e sentimento
com que depois nos traduziu tão maravilhosamente
a misericórdia que o seu Pai celeste nos oferece a todos.
Das famílias que tivermos e mantivermos extrairemos
 nós o ideal e os gestos que a sociedade finalmente há de ter.
Como os pastores, anunciaremos o que tivermos visto e ouvido.
Por minha parte, dou infindas graças a Deus
pelo grande número de casais cujas
Bodas de Prata e Ouro de Matrimónio
tenho o gosto de festejar na celebração anual
que a Diocese do Porto muito justamente lhes dedica.
Cada um deles demonstra que quanto irradiou
da Sagrada Família continua a brilhar no mundo,
com vantagem de todos.
E de bom grado me junto àqueles pastores
que o anunciaram na altura.
 - Há felizmente muito mais e melhor,
no que à família e à sua estabilidade diz respeito,
do que a monotonia dos seus tão publicitados desaires dá a entender!
E é exatamente porque o sabemos
porque reconhecemos na família o maior
e mas pedagógico sustentáculo da sociedade,
que todos – por motivos religiosos ou humanitários –
devemos dar-lhe o apoio social
e a primazia legal que indubitavelmente merece.
Educando familiarmente os mais novos,
para que possam criar por sua vez boas famílias;
dando às que se constituam as condições materiais
e institucionais que as tornem mais sustentáveis
e até apetecíveis; planificando a sociedade
e o trabalho em função das famílias
e da respectiva unidade,
e não de modo meramente individual e disperso…
Tanto a fazer, para contrariar, pela positiva,
a pesada estatística de divórcios,
uniões não institucionais,
poucos nascimentos
e pessoas sós.
3. Porque é também de paz que hoje falamos.
Fala muito especialmente o Santo Padre Bento XVI
na Mensagem para o 45º Dia Mundial da Paz,
que aqui celebramos, como pelo mundo além.
Escolheu por título e tema “Educar os jovens para a justiça e paz”
e detém-se particularmente na relação da família
com tudo o que se há de fazer nesse sentido.
Deixai-me insistir em que todos leiam a Mensagem de Bento XVI,
cristãos
e não cristãos que sejam,
pois a todos interessa tal base comum.
Mas, na sequência do que vou partilhando convosco,
não posso deixar de citar, ao menos, o seguinte trecho papal,
interrogando primeiro e considerando depois,
com grande oportunidade e realismo:
“- E quais são os lugares onde amadurece
uma verdadeira educação para a paz e a justiça?
Antes de mais a família, já que os pais são os primeiros educadores.
A família é a célula originária da sociedade.
[…] Vivemos num mundo em que a família
e até a própria vida se veem constantemente ameaçadas e,
 não raro, destroçadas.
Condições de trabalho frequentemente pouco compatíveis com as responsabilidades familiares,
preocupações com o futuro,
ritmos frenéticos de vida,
emigração à procura dum adequado sustentamento
se não mesmo da pura sobrevivência,
acabam por tornar difícil a possibilidade
de assegurar aos filhos um dos bens mas preciosos:
a presença dos pais;
uma presença, que permita compartilhar
de forma cada vez mais profunda
o caminho para se poder transmitir
a experiência e as certezas adquiridas com os anos
– o que só se torna viável com o tempo passado juntos.
 – Queria dizer aos pais para não desanimarem!” (Mensagem, nº 2).  
Também nós o queremos dizer certamente,
amados irmãos e irmãs.
Mas só o faremos de facto se nos empenharmos
ao máximo para que nas nossas próprias famílias
e naquelas que conhecemos, bem assim
como nas nossas comunidades cristãs e vizinhanças,
tudo fizermos para que cada um dos itens requeridos pelo Papa
– condições de trabalho e convivência familiar, transmissão de convicções… - realmente se efectivem.

4. Estamos em tempo de crise, mas sobretudo de sair dela.
 Não deixemos então que os mesmos factores individualistas ou economicistas que negativamente a provocaram
prevaleçam agora, ainda que doutra maneira,
sobre os factores familiares e personalistas que foram por demais esquecidos.
Há dois mil anos, Deus visitou-nos numa família,
que Ele próprio formou para si e para nós:
para que nascesse no mundo
e o mundo renascesse n’Ele.
Século após século, os seguidores de Cristo tentaram
– com maior ou menor êxito e congruência,
é certo, mas com inegável insistência –
reforçar a família humana com qualidades
que ainda mais a garantissem.
Assim se dignificou a mulher,
 na complementaridade com o homem;
assim se dignificaram mutuamente pais
e filhos e se acompanharam os parentes idosos ou sós;
assim se santificou para os crentes a própria instituição familiar.
Voltar atrás em qualquer destes pontos seria uma tremenda tragédia civilizacional, com graves riscos para a solidariedade e a paz,
que têm geralmente na família a sua primeira
e indispensável pedagogia.
Tomemos então muito a sério tudo quanto
 o Santo Padre nos escreve na Mensagem
para este Dia Mundial da Paz,
 não deixando de a reler pessoalmente,
em família
e nas nossas comunidades eclesiais.
Na Diocese do Porto,
que tem como programa actual
a Família e a Juventude,
tomemo-la como texto base de reflexão e acção.
E que Santa Maria Mãe de Deus,
com o indispensável apoio de São José,
nos ensinem a cuidar dum Cristo
que de algum modo se reproduz em cada geração cristã,
para a salvação do mundo.
- Santo e feliz ano novo,
pleno de novidade cristã!
 Sé do Porto, 1 de Janeiro do ano da graça de
Nosso Senhor Jesus Cristo de 2012
D.Manuel Clemente 

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