Na piedade popular, Novembro é o «Mês das Almas». É oportuno, neste contexto, reler o Directório sobre a piedade popular e a Liturgia, publicado pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos em 2001, que dedica o seu capítulo VII ao tema do «sufrágio pelos defuntos».
O ponto de partida da reflexão é fé na ressurreição dos mortos, «elemento essencial da revelação cristã», que «implica uma visão peculiar do inelutável e misterioso evento da morte» (n. 249). «A morte é a passagem à plenitude da verdadeira vida, pelo que a Igreja, subvertendo a lógica e as perspectivas deste mundo, chama ao dia da morte do cristão “dies natalis”, dia do seu nascimento para o céu» (Ibid.). «Segundo a fé da Igreja, já começámos no nosso baptismo a “morrer com Cristo”; nele, o discípulo do Senhor já está sacramentalmente «morto com Cristo», para viver uma vida nova; e, se ele morrer na graça de Cristo, a morte física selará aquele “morrer com Cristo” e fá-lo-á chegar à consumação, incorporando-o plenamente para sempre em Cristo Redentor» (n. 250).
«Os sufrágios são uma expressão cultual da fé na comunhão dos Santos» (n. 25 1).
Esta fé encontra a ocasião de se exprimir na celebração do sacrifício eucarístico e em muitas outras expressões de piedade como orações, esmolas, obras de misericórdia. Ocasião privilegiada para estes sufrágios são as celebrações exequiais que têm na celebração eucarística o seu momento culminante (n. 252). Mas a Igreja oferece o sacrifício eucarístico pelos defuntos em muitas outras ocasiões:
«a celebração da Missa em sufrágio das almas dos defuntos é o modo cristão de recordar e de prolongar, no Senhor, a comunhão com todos os que passaram o limiar da morte» (n. 255). Neste contexto é particularmente sentida pela piedade cristã a comemoração de todos os Fiéis Defuntos, no dia 2 de Novembro. Entretanto, na Liturgia quotidiana a Igreja sempre recorda e intercede pelos seus filhos que já partiram deste mundo «marcados com o sinal da fé», tanto na celebração da Eucaristia, como nas preces de Vésperas (Ibid.).
O Directório recorda a conveniência de «educar o sentir dos fiéis à luz da celebração eucarística, na qual a Igreja ora para que sejam associados à glória do Senhor ressuscitado todos os fiéis defuntos, de todos os tempos e lugares, evitando o perigo de uma visão possessiva ou particularista da Missa pelo “seu” defunto» (n. 255).
Na memória dos defuntos, sublinha o Directório, «a questão da relação entre liturgia e piedade popular deve enfrentar-se com muita prudência e tacto pastoral, quer no que se refere aos aspectos doutrinais quer quanto à harmonização entre acções litúrgicas e exercícios de piedade» (n. 256). «Antes de mais, é preciso que a piedade popular seja iluminada pelos princípios da fé cristã» (n. 257): o sentido pascal da morte dos baptizados; a imortalidade da alma; a comunhão dos Santos; a ressurreição da carne; a manifestação gloriosa de Cristo «que há-de vir para julgar os vivos e os mortos»; a retribuição segundo as obras de cada um; e a vida eterna (Ibid.).
No n. 258, o Directório enumera concretamente, alguns desvios que importa evitar:
— o perigo da sobrevivência na piedade popular para com os defuntos de elementos ou aspectos inaceitáveis do culto pagão dos antepassados;
— a invocação dos mortos para divinatórias;
— a atribuição aos sonhos sobre defuntos de significados e de efeitos imaginários, cujo receio, frequentemente, condicionam o agir dos fiéis;
— o risco de que se insinuem formas crença na reincarnação;
— o perigo de negar a imortalidade da alma e de separar o evento morte da perspectiva de ressurreição, de tal forma que a religião apareça, por assim dizer, como uma religião dos mortos;
— a aplicação das categorias espácio-temporais à condição dos defuntos.
A prática pastoral procurará prevenir tudo isso estando, porém, muito atenta a não cair no erro doutrinal e pastoral mais difundido na sociedade moderna que consiste no
« ocultamento da morte e dos seus sinais» (n.269).
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